Luislinda Valois

Neta de avô escravo, filha de Santo, e primeira mulher negra a entrar para a magistratura no Brasil, Luislinda Valois, 68, quer ver mais “pretos, pobres e periféricos” governando o país. A magistrada baiana, que se formou em Direito aos 39 anos, com crédito educativo, fala ao Boletim Gênero, Raça e Etnia sobre racismo, superação, cotas, Justiça e o papel de organizações internacionais, como a ONU, na promoção da equidade.luislinda-valois

Nomeada desembargadora substituta do Tribunal Superior de Justiça da Bahia (TJ/BA) em agosto, Luislinda recebeu o Prêmio Cláudia no mês passado, por sua luta e conquistas no combate à discriminação racial. É autora de “O Negro no Século XX” e tem dois outros livros a caminho.

Aos nove anos, o professor de Luislinda mandou os alunos levarem réguas e compassos de plástico para a aula, no Colégio Duque de Caxias, na Liberdade, bairro negro de Salvador. O pai, motorneiro de bonde, só conseguiu comprar material de madeira. O professor disparou na frente de toda a turma: “Menina, se seus pais não podem comprar material para você estudar, saia daqui. Vá aprender a fazer feijoada na casa de uma branca que você vai ser mais feliz”.

“Eu saí da sala correndo, chorei, chorei”, conta a magistrada, voz embargada ao lembrar humilhação, há quase 60 anos. Depois se recompôs e voltou para a aula, com a resposta na ponta da língua: “Professor, eu não vou aprender a fazer feijoada não. Vou estudar para ser juíza e, quando crescer, vou te prender”.

Luislinda formou-se em Direito aos 39 anos e, em 1984, cumpriu a promessa de se tornar juíza. Voltou ao colégio Duque de Caxias, mas não para prender o professor racista. Entre 2002 e 2003, a magistrada freqüentou colégios da capital baiana com o “Projeto Inclua no Trabalho e na Educação e Exclua da Prisão”.

“Dizem que sou a primeira juíza negra do Brasil. Não sei bem se isso é verdade, o importante não é ser a primeira ou a décima. O importante é a bandeira que eu carrego”, diz Luislinda, quem em agosto foi nomeada desembargadora substituta do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

Luislinda Valois se tornou conhecida no meio jurídico brasileiro em 1993, por sua sentença condenatória a rede de supermercados, pelo crime de racismo. Os seguranças haviam acusado injustamente de furto uma cliente negra.

A desembargadora vê avanços no respeito à cultura e religiões afro-brasileiras. “Tenho uma boa relação de trabalho com a Igreja Católica, Igrejas Evangélicas, inclusive com pessoas da Igreja Universal [que já teve líderes acusados de intolerância religiosa]. Agora mesmo fui convidada para ser paraninfa da turma de Direito da Faculdade Batista Brasileira e aceitei, com muito orgulho. O Brasil é um país laico, e respeito é fundamental”, diz a magistrada.

Luislinda não esconde o orgulho ao falar do único filho, promotor de Justiça em Sergipe, e dos irmãos, que seguiram seu conselho e seu exemplo nos estudos. “Quanto eu tinha 14 anos, minha mãe morreu. Criei meus três irmãos menores, todos honestos e trabalhadores”, diz Luislinda.

A magistrada se emociona ao lembrar-se do fascínio do pai, já idoso, diante da primeira casa de bloco da família, conquistada quando ela e o segundo irmão já tinham empregos com carteira assinada: “Meus filhos, acabou a miséria nessa casa!”.

Por: Paulo Yuri e Rafael Correa

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